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quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

17/12 - Gamarra em Lima/ Peru - Megalocal de Confecções

Olá, amigos! Estive um pouco afastado do blog por estes dias em função dos acontecimentos em Blumenau e também porque estive em viagem com muitas atividades.
Neste momento estou em Lima/Peru atuando em uma empresa têxtil e de confecções e numa visita neste último fim de semana, conheci um local chamado "Gamarra", que fica aqui na grande Lima... lembrei então de uma reportagem sobre o local que havia lido no Jornal Valor Econômico e resolvi postá-la abaixo. Podem ter certeza que cada palavra que está descrita é real... é um lugar realmente diferente e muito, mas muito grande mesmo... o local é aparentemente desorganizado, mas com tudo que você pode imaginar em confecções e também em tecidos, fios, etc. Segue o artigo.

Pense rápido numa loja na sua cidade onde você encontra camisetas de times de futebol de vários Estados brasileiros. Não é fácil. Em São Paulo, pode ser difícil achar a camisa do Fluminense ou a do Cruzeiro. No Rio deve haver pouca demanda pela do Grêmio. Em Porto Alegre ou Belo Horizonte, quem vai vender a nova camiseta cor amarelo “marca texto” do Palmeiras? Bem, em Lima, no Peru, é fácil encontrá-las. Basta ir a Gamarra. Não são as camisetas oficias, mas estão todas lá. As dos mais importantes times brasileiros e sul-americanos, de todos as grandes equipes européias, das principais seleções mundiais. Mesmo times europeus pequenos, como o italiano Catania, têm sua camiseta à venda numa das muitas lojas especializadas em esporte de Gamarra. Os modelos das camisas são atualizados, com os patrocinadores corretos das equipes. Em muitos casos, há a camisa principal e a reserva.
Mas o que é Gamarra?
Segundo Diogenes Alva Alvarado, presidente da Coordenadoria de Empresários local, Gamarra é “o maior pólo têxtil e de confecção da América Latina. Quem faz moda tem de vir a Gamarra.” Provavelmente ele não está exagerando.
Esse pólo engloba 34 quarteirões no distrito de La Victoria, uma área pobre ao leste da capital peruana, junto a uma das maiores favelas da cidade. O nome Gamarra vem da principal rua de acesso.
O centro de Gamarra, vários quarteirões de calçadão, cercado por grades, é tomado por prédios de dois a seis andares. São construções envelhecidas, mal cuidadas, com evidentes sinais de que os andares superiores foram sendo acrescentados ao longo do tempo. Alguns anos atrás houve uma anistia para as áreas construídas sem autorização.
No térreo e nos primeiros andares funcionam lojas, principalmente de roupa, mas também de tecidos e insumos para confecção.
Nos andares de cima dos prédios estão as oficinas de confecção, onde se produz quase tudo que está à venda mais abaixo.
Nos quarteirões ao redor desse centro funcionam centenas de lojas de equipamentos para confecções, desde máquinas de costura a bordadeiras automáticas. Há ainda assistência técnica, armazéns, depósitos e, claro, mais pequenas fábricas de roupas.
Os números, fornecidos por Alva, são superlativos. Gamara hospeda cerca de 26 mil empresários e 100 mil trabalhadores. Num dia normal, a região recebe entre 150 mil e 200 mil visitantes. Na alta temporada, entre 400 mil e 500 mil. Há venda de varejo e atacado.
Esses dados podem estar inflados (não há estatísticas oficiais), mas não muito, como a reportagem do Valor pôde verificar em duas visitas a Gamarra, num sábado e numa sexta-feira. No sábado, todo a região central lembrava um dia movimentado na rua 25 de Março, no centro em São Paulo.
O trânsito na região que cerca a área de calçadão de Gamarra é caótico. As ruas são parcialmente tomadas por vendedores ambulantes. Não há metrô em Lima e quase todo o transporte público é feito por velhos micro-ônibus e por pequenas vans, igualmente velhas e fumacentas. Junto à rua Gamarra, principal acesso ao centro-calçadão, centenas de carros - também velhos e fumacentos - se aglomeram, carregando e descarregando pessoas e coisas.
No calçadão cercado, quase não há ambulantes. Uma guarda privada cuida da segurança. Mesmo assim, orientam os visitantes a segurar bem bolsas e pertences e a evitar usar máquinas fotográficas. Por toda parte há cambistas, devidamente identificados com coletes, oferecendo-se para trocar dinheiro, não só para os poucos turistas e os compradores estrangeiros, mas também para muitos peruanos. O Peru é um país quase bimonetário, onde as pessoas podem ter contas bancárias e sacar em dólares. Curiosamente, como medida de controle, os cambistas ambulantes carimbam sua identificação nas notas de sol, a moeda local, que dão aos clientes. Assim, se alguma delas for falsa, é possível saber quem fez a operação.
O empresário Alva Alvarado recebeu o Valor para uma entrevista no seu pequeno escritório, lotado de sacos de produtos de suas lojas e localizado ao final de um corredor labiríntico. Ele fala com orgulho da ressurreição de Gamarra após a crise do final dos anos 90. “Em 1998, Gamarra era uma zona de prostituição e delinqüência. O contrabando e a crise econômica tinham liquidado os negócios.”
A repressão ao contrabando, a melhora do clima dos negócios e o retorno do crédito nesta década ajudaram a retomada. “Mas crescemos sem apoio do governo.”
“Nós começamos empiricamente. Quase todos aqui vieram do interior, da agricultura, não tinham experiência. Eu mesmo vim da Amazônia [peruana] com a roupa do corpo”, disse Alva. “As micro e pequenas empresas se capacitaram em corte, design e controle de qualidade.”
Gamarra recebe entre 150 mil e 200 mil visitantes por dia. Na alta temporada, entre 400 mil e 500 mil. Segundo ele, o faturamento anual oficial (”com recibo”) do complexo Gamarra é de US$ 1,2 bilhão, com crescimento de dois dígitos há alguns anos.
Há um pouco de tudo por lá: de roupa de cama, de bebê, cortinas, confecções populares até grifes internacionais, cujo produção é terceirizada para empresas locais ou simplesmente pirateada. “Muita coisa que se compra nas lojas chiques de Miraflores [o bairro nobre de Lima] são feitas aqui”, disse o empresário.
Ele diz que todo mês de fevereiro, um grupo de empresários locais viaja pelo mundo em busca de modelos, inspiração, produtos e insumos. “Precisa andar na onda da globalização”, explica Alva.
O setor têxtil e de confecções tem ganhado importância na economia peruana e já é o principal entre os setores não tradicionais. As exportações cresceram em médio 12% ao ano nos últimos oito anos e devem chegar a US$ 2 bilhões este ano.
Parte dessas exportações saem de Gamarra. “Temos alguns mercados ganhos, como Equador e Venezuela. Os cubanos estão comprando muito, e as vendas aos EUA estão crescendo. Muitas pessoas que antes iam comprar em Miami, agora vêm a Gamarra”, disse Alva.
Para exportar, é preciso concorrer com a produção chinesa. “Os chineses vão chegar de todo modo, por terra, ar e mar. Mas podemos competir com a China com um produto melhor, o nosso algodão”, acredita Alva.
O algodão peruano é a maior vantagem comparativa da indústria têxtil do país. “O Peru é competitivo com a China nos EUA em alguns produtos devido a sua marca. O algodão peruano, de fibra longa, é um produto de alta qualidade, já posicionado no mercado dos EUA, mais caro. É uma marca como o café da Colômbia”, disse o economista Efraim Gonzales de Olarte, vice-reitor da PUC peruana. Os EUA são o maior mercado para tecidos e confecções peruanos.
Parte da competitividade de Gamarra, porém, se deve a condições “chinesas” de produção.
A reportagem do Valor visitou algumas oficinas de confecção, mas foi avisada por Alva de que seria melhor não conversar com os operários nem fotografar as instalações, pois eles poderiam ficar constrangidos.
A circulação pelo interior dos prédios é precária, devido ao acúmulo de lojas, produtos, gente e aos corredores pequenos e escadas ainda menores. A primeira oficina visitada estava fechada por uma porta de aço. Dentro, em pequenas salas, dezenas de operários (em sua maioria mulheres) cortavam, costuravam, davam acabamento a roupas. O espaço é exíguo, quase não há área de circulação, não há saída de emergência. Come-se no local de trabalho. Não há uniformes nem equipamento de proteção. No verão, a temperatura deve ser elevada, como denotam os muitos ventiladores, ligados em tomadas com fiação à mostra. Um incêndio seria devastador.
Como a maioria dos trabalhadores peruanos, os de Gamarra são informais, não registrados. Não têm direitos trabalhistas e não oneram as empresas. Trabalham até 12 horas por dia, pois a remuneração é em parte ligada à produtividade. O salário é o mínimo no Peru, 550 soles (cerca de US$ 190).
Gamarra é, possivelmente, o que há de mais parecido com um pólo de produção chinês na América do Sul.
Ah, as camisetas de times de futebol. Elas estão expostas e à venda em Gamarra, mas seu destino principal é a exportação. No balcão, elas custam pouco mais de R$ 4. No atacado, deve ser bem menos. Camisetas semelhantes são vendidas nas portas dos estádios de São Paulo por R$ 25.
A falsificação, outra fator de competitividade de Gamarra, não preocupa o empresário Alva. “Falsificação ocorre em toda parte. Todo mundo tenta fazer igual um produto de sucesso e alguns acabam copiando. Mas não incentivamos a falsificação, pelo contrário. Se você tem qualidade, pode fazer a sua própria marca e ganhar mais com isso. Há muitas marcas próprias aqui em Gamarra.”
Ainda assim, circulando por Gamarra, é comum ouvir nas ruas ofertas de roupas de grife, vendidas semiclandestinamente. As marcas mais propostas eram Lacoste, Calvin Klein e Pierre Cardin, que têm produção no Peru.
Alva também não se preocupa com a entrada em vigor do tratado de livre comércio com os EUA, talvez ainda este ano. Ele acredita que o acordo vai fazer com que as empresas locais aprimorem a qualidade e se tornem mais ágeis, para suprir demanda “on time” nos EUA. “Não creio que haverá mais repressão contra a falsificação. Vamos acabar vendendo para eles. Eles compram drogas da América Latina, podem comprar nossas falsificações também”, disse.
Fonte: Valor Econômico
Grande abraço a todos e sigamos em frente.